Uma nova pesquisa revela que os rios se tornaram uma das principais vias de contaminação por mercúrio no planeta. Segundo o estudo, os níveis globais atuais de mercúrio nos rios mais que dobraram desde a Revolução Industrial.
A pesquisa, liderada pela Universidade Tulane e publicada na revista Science Advances, marca uma virada na nossa compreensão do ciclo global desse metal pesado, uma neurotoxina poderosa que pode se acumular na cadeia alimentar e afetar tanto a vida selvagem quanto os humanos.
Até o momento, a maioria dos estudos se concentrou na presença de mercúrio no ar, no solo e nos oceanos. Os rios, por outro lado, permaneceram em grande parte indetectáveis, apesar de serem uma rota fundamental para o transporte de poluentes para os ecossistemas marinhos. "As atividades humanas alteraram o ciclo global do mercúrio em todos os sentidos", explicou o professor Yanxu Zhang, autor principal do estudo.
O mercúrio é uma das substâncias mais tóxicas para a saúde humana e os ecossistemas. No ambiente, pode se transformar em metilmercúrio, um composto altamente perigoso que se acumula em peixes e crustáceos. Quando consumido por humanos, o mercúrio pode causar danos ao sistema nervoso, especialmente durante o desenvolvimento fetal e na infância. Também afeta a memória, a coordenação motora e o sistema cardiovascular.
A equipe desenvolveu um modelo computacional chamado MOSART-Hg, que lhes permitiu reconstruir como era o transporte fluvial de mercúrio antes de 1850 e como ele aumentou desde então. Para validar seus resultados, eles compararam as projeções do modelo com dados reais de núcleos de sedimentos costeiros coletados em diferentes partes do mundo. A concordância entre as duas linhas de evidência foi notável.
Uma das principais contribuições do trabalho é a criação de uma linha de base histórica para avaliar a verdadeira magnitude do problema: "Ela pode servir como um ponto de referência fundamental", disse Zhang. Esse conhecimento pode ser fundamental para monitorar o progresso em conformidade com a Convenção de Minamata, um acordo internacional que busca reduzir as liberações de mercúrio em escala global.
Entre os fatores que explicam o aumento sustentado do mercúrio nos rios estão o descarte de águas residuais, a erosão do solo e as emissões industriais e de mineração. As regiões com maior crescimento nos níveis de poluição foram as Américas do Norte e do Sul — responsáveis por 41% do aumento total — seguidas pelo Sudeste Asiático (22%) e o sul da Ásia (19%).
O caso da Amazônia é particularmente alarmante. De acordo com o estudo, o balanço de mercúrio do rio já ultraa 200 toneladas métricas anualmente, e 75% dessa carga provém de atividades humanas, em especial da mineração artesanal e de pequena escala (ASM). Soma-se a isso o aumento da erosão do solo causada pelo desmatamento.
A China, por sua vez, apresenta um padrão diferente: a principal fonte são as emissões industriais. O rio Yangtze, o mais longo do país, mais que dobrou sua contribuição de mercúrio em comparação aos níveis históricos.
No entanto, nem todas as regiões seguiram a mesma tendência. No Mediterrâneo, por exemplo, os níveis atuais são inferiores aos níveis pré-industriais. Os autores atribuem essa exceção à construção de grandes barragens, como a de Assuã, no Egito, que retêm sedimentos contaminados antes que cheguem aos rios.
O estudo também sugere que as concentrações de mercúrio nos rios podem ser usadas como indicadores de mudanças de curto prazo, capazes de refletir rapidamente os efeitos das políticas ambientais. Nesse sentido, o monitoramento desses ecossistemas pode oferecer uma ferramenta crucial para avaliar o progresso real no combate à poluição por mercúrio.
Human perturbations to mercury in global rivers. 11 de junho, 2025. Peng, et al.